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Terra Selvagem - Um lançar de olhos.

  • Gyorgy Laszlo
  • 1 de dez. de 2017
  • 3 min de leitura

“Um inferno de neve e silêncio”, é assim que determinada personagem descreve a região onde se passa a maior parte de Terra Selvagem (Wind River, 2017), uma espécie de western às avessas. Trata-se da reserva indígena Wind River, em Wyoming, EUA. Constantemente retratado pela cinematografia com montanhas ermas cobertas de neve e nevascas que encobrem praticamente todo o campo de visão, é um ambiente desolador e sua imensidão está sempre em contraste com as personagens, miúdas, que caminham a passos trôpegos por conta das dificuldades do terreno.


Inseridos neste contexto estão a agente do FBI Jane Banner (Elizabeth Olsen), jogada pelas circunstâncias de seu trabalho naquela região, investigando um crime hediondo que aos poucos vai lhe instigando, e o caçador Cory Lambert (Jeremy Renner), que lhe serve de guia. Se no começo ela tem pressa em deixar o caso para outros, à medida que vai tomando ciência do que se passa se engaja na busca pelo criminoso, passando, inclusive, por cima das leis que tanto acredita e defende.


Com poucas pistas em mãos, Banner e Lambert caminham pela narrativa mais como uma forma de se aprofundarem na tragédia do que juntando as peças do crime. A narrativa, por sinal, é muito bem entrelaçada por uma montagem elegante e fluida (que tem seu ponto alto na cena da batida da porta). Mas falar de como a investigação se desenrola é seguir pistas falsas. Não é sobre ela que o filme se volta, mas sobre o crime - não apenas este crime investigado, mas também um outro, muito mais complexo, histórico e negligenciado.


Disse anteriormente que se trata de um filme de cowboy às avessas. Explico. O gênero costuma retratar a invasão e consolidação do Velho Oeste como parte dos Estados Unidos, ressaltando a valentia do homem branco que se aventura em terreno hostil. Um de seus principais temas é o peso da liberdade: agir pela consciência uma vez que as leis e os pactos sociais não são presentes ou, se são, mostram-se ineficazes. O cowboy está sempre no limiar da barbárie; distante daqueles que ama (pelo tempo, pelo trabalho ou mesmo pela morte), está sempre a um passo de se redimir ou de se despedaçar. Indígenas, mexicanos, homens corruptos e vilões repugnantes, o cowboy luta contra todos, inclusive contra si mesmo, pela sobrevivência; e, com sorte, nesta luta, ainda consegue conservar sua honra.


Para lá da sociedade, ou melhor, onde a sociedade desvia o olhar por ser fruto de sua própria edificação: as sobras, os restos, Terra Selvagem nos mostra as consequências da invasão, com os indígenas desprezados, desterritorializados, sobrevivendo em migalhas.


Na primeira cena após adentrarmos a reserva indígena, vemos uma bandeira estadunidense, hasteada de ponta cabeça, aos trapos. Noutra podemos ler pichado nas paredes de um trailer onde jovens se entregam às drogas: "Meus heróis sempre mataram cowboys"... Os descendentes indígenas dali estão perdidos, destituídos de suas identidades, forçados a viver de um modo alheio a sua história. Nunca poderão se inserir no mundo ocidentalizado porque a eles é legada somente a miséria.


É daí que vem o desdém e a aparente apatia que demonstram, tanto homens quanto mulheres, à agente Banner, uma pessoa branca da cidade grande, representante do Estado. Mas ao serem mostrados sozinhos ou em presença de quem partilham intimidades a dor se escancara, como podemos presenciar em determinada cena; quando fechada a porta duas personagens enfim se encontram e podem se abraçar. E no diálogo que se segue, aquele que está diante da catástrofe pessoal é retratado pela delicada direção de fotografia em desfoque: um interessante artifício para explicitar a deformidade e desespero do que sente - este algo sem nome, que mistura dor, desespero, abandono e fúria.


É nas confluências de sentimentos distintos que o filme nos toca, neste campo onde a palavra não consegue alcançar. Em terreno hostil, nos encontramos perdidos e atados a um silêncio imposto que sufoca. Em nós se misturam a compaixão, o rancor e a angústia pela injustiça que insiste em se vestir de herói branco. E que não cessa de vencer.



 
 
 

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