A Ghost Story - Um Lançar de Olhos.
- Gyorgy Laszlo
- 23 de nov. de 2017
- 4 min de leitura
Alguns filmes nos convidam a pensar sobre tempos e temporalidades outras, em experiências de estranhamentos. A angústia e o prazer, posto que imiscíveis, em alguns casos aprendem a caminhar juntos. A Ghost Story (2017) é um desses convites que relutamos em aceitar: sabemos que não seremos bem quistos. O que se celebra nele é o luto.

O luto em seus significados mais profundos: dos que ficam, que saboreiam a frieza tóxica da casa vazia, do quarto vazio, do silêncio, deste desespero sem nome e sem voz - o luto é a forma mais crua de solidão; e, porque não se enganem, este é um filme de fantasmas, dos descaminhos, frustrações e abandonos dos que precisam partir, mesmo após a morte.
Em seu primeiro ato o filme nos traz a história de M (Rooney Mara), que após a morte de C (Casey Affleck), seu marido, tem que enfrentar o cotidiano dentro de sua casa. C volta como um fantasma e passa a rondar os cômodos, procurando por ela ou por algum vestígio do que foram. Pode-se dizer que os dois se buscam, entre barreiras intransponíveis: enquanto ela tenta dormir (vestida com uma roupa negra com pétalas brancas - que se assemelha a uma constelação), recebe, em dores de saudades, o toque carinhoso do fantasma - é o toque de um passado que não pode mais alcançar. Em outra situação, num momento de profunda angústia, sente-se tão próxima ao ponto de poder estender sua mão e quase alcançar as vestes da imaterialidade. Mas o fantasma, mesmo em seu zelo, é sempre uma sombra branca de olhos de abismo. E o tempo os distanciará. O tempo. Não é a toa que em determinado momento, quando alguns livros caem da prateleira, podemos ver um exemplar de O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel Garcia Marquez: a história de um homem que passa toda a sua vida apaixonado por uma única mulher, casada com outro. Décadas e mais décadas de espera para poder sentir o amor em sua forma mais pura e potente, através do toque.
Um outro livro estampa o nome de Nietzsche, filósofo alemão cuja obra - ou parte significativa dela - aponta para uma ideia de Eterno Retorno: não estamos dentro de uma temporalidade progressiva, em forma de escada, mas sim em um círculo. Neste caminho está nossa morte, o fim do mundo, a destruição do Sistema Solar, o colapso da Via Láctea e o encolhimento do Universo, destruindo todas as formas e potencialidades de vida; para daí, então, tudo se recriar com o explosão da matéria, a formação da Via Láctea, a criação do Sistema Solar até nosso nascimento e morte: vivemos e viveremos esta nossa mesma vida, individual mas também cósmica, infinitas vezes.
Filmado no formato 4:3, utilizado nos televisores antigos, em que as imagens aparecem em um quadrado, A Ghost Story parece querer despertar em nós (ao menos nos nascidos na década de 80 ou antes) uma espécie de nostalgia, quantas horas não passamos diante deste aparelho? Simultaneamente, nos deixa sempre em contato com o preto que preenche o restante da tela; este espaço vazio nos alerta: o que vemos é um recorte, singelo, de um universo de possibilidades incompreensíveis. O roteiro evidencia esta enormidade de forma precisa. Há um certo diálogo, curto e impactante, de uma tristeza desoladora, que se dá pela distância de duas janelas. Mais para a frente, há uma nova tentativa de comunicação, também através de uma janela, mas tendo nós, os espectadores, como alvo. Assim como o fantasma não consegue se comunicar com os vivos, nós, que o testemunhamos, também ficamos emudecidos diante de seu apelo.
O silêncio, que permeia a narrativa, dá o tom necessário para entendermos e, de certa forma, tentarmos nos aconchegar na angústia que, extrapolando aquela vivência específica mostrada na tela, nos invade e se expande para além, até as estrelas que abrem a projeção; assim, no momento em que a música sobe, somos levados a sentir - e Rooney Mara quase nos leva pela mão - aos complexos e tortuosos caminhos da interioridade de M (a cena em que dirige seu automóvel, por exemplo, evidencia bastante bem o bom uso da trilha sonora, propulsionando ainda mais a forte interpretação da atriz). É preciso dizer que Casey Affleck consegue expressar-se suficientemente bem debaixo de um lençol branco, em que passa cerca de 80% do filme. E a escolha de seu figurino mostra delicadeza e simplicidade, além de nos ser bastante familiar - quantos de nós já não brincamos ser fantasma desta forma?
E o tempo, que é quase a personagem principal da história, caminha distintamente: em um tocante plano-sequência podemos ver, do ponto de vista do fantasma, parado e contemplativo, a personagem ainda viva sair do mesmo cômodo em direção à rua em momentos diferentes, estabelecendo uma rima visual bastante bonita com outra cena, em que, diante da janela, ele observa o cair e florescer das estações.
De certa perspectiva o luto é um rito de passagem carregado por diversas temporalidades. Neste rito, nós, os vivos, nos despedimos dos mortos ao mesmo tempo em que aceitamos as boas vindas de uma companhia que ficará conosco até nosso fim: o vazio. Faz-se necessário preenchê-lo, afinal, é isso que nos diferencia daqueles que partiram.

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