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Blade Runner 2049 - Um lançar de olhos.

  • Gyorgy Laszlo
  • 23 de out. de 2017
  • 3 min de leitura

Uma árvore morta que se mantém de pé por conta de cordas de aço. Atrás dela está a casa de Sapper Morton (interpretado com sensibilidade por Dave Bautista), um replicante agricultor que cultiva vermes. Logo na primeira sequência, que comentarei em breve, já podemos compreender o modo como o filme se revelará e nos impactará: em sua ambientação e atmosfera.


Blade Runner 2049 (2017) nos convida a imergir em seu mundo com longos planos de vista aérea, que sem pressa nos mostram os detalhes daquele universo positrônico e demasiadamente humano. Os outdoors, gigantescos, de neon, se insinuam nas alturas quase que para ninguém. Lá embaixo, aos pés de uma Los Angeles suja, onde a população se amontoa, o horizonte está sempre limitado por fumaças e vapores: a vida das pessoas comuns, sintéticas ou não, se passa contida em uma redoma sufocante.



No “campo”, como a primeira sequência nos mostra, é onde a vida mais se aproxima de uma espécie de tranquilidade. É ali que o produtor cultiva vermes. Vermes e esperança. O contraluz ilumina sua casa, deixando as personagens na cena em uma penumbra: o ambiente é onde devemos lançar nosso olhar, é nele que devemos estar, ali está contida a chave para compreendermos as emoções e intenções dos envolvidos - e isto será mantido em praticamente todo o filme, com as quebras desta constância, pontuais, ressaltando com veemência camadas mais profundas das personagens.


Nesta casa aparentemente simples, de poucos cômodos e móveis, a porta de entrada dá para a cozinha. No fogão aceso, a água ferve - um anúncio. Quando as personagens se digladiam a câmera nos coloca em outro cômodo, vendo a parede tremer, rachar e parir os que se enfrentam. Insisto nesta imagem. É preciso entender que assim como as casas, os edifícios e as máquinas tecnológicas, todos ali são construções, edificadas com objetivos específicos. A quebra desses objetivos ou sua conclusão significam o fim ou a crise. A morada de Sapper Morton é ele próprio e quando a parede se quebra, sabemos o que isto significa. Mas o agricultor não cultiva apenas vermes. Há também a esperança. E é ela que guiará toda a jornada do agente K, seu agressor.


Ryan Gosling sabe muito bem como interpretá-lo, dando camadas de complexidade à medida que a personagem submerge na trama. Sua função é caçar e “aposentar” os antigos e raros replicantes que sobreviveram aos acontecimentos catastróficos, que cindiram a história, nos anos de 2020 (o primeiro Blade Runner, de 1984, se passa em 2019). Seu caminho, que irá cruzar com o de Rick Deckard (Harrison Ford, com o aprumo e o tom certo nesta revisita), torna-se turvo à medida que sua própria história e memórias passam a atravessá-lo, com mais ímpeto que os tiros e as facadas que toma ou precisa desviar.


A memória, um dos temas principais desta continuação, é o que nos faz humano, subjetivamente. Aprofundando-se nas questões complexas colocadas no filme anterior, e explicitando-as, os novos modelos de replicantes são programados, em sua gênese, para obedecer e têm na memória os caminhos de suas personalidades. Ela preenche o que está dentro, não compõe uma interioridade. Esta narrativa nos mostra que apesar das imensas diferenças que separam as espécies, este "muro" de que tanto fala a personagem Lieutenant Joshi (Robin Wright, - Claire de House of Cards, precisa e imponente como sempre), a humanidade diz muito mais respeito a um modo de estar no mundo, com suas dores e suas delícias, do que a uma questão biológica. Esse é o ponto.


Como o anterior, este é um filme de atmosfera, contemplativo: há um mundo complexo para conhecermos e nos maravilharmos. Ao mesmo tempo, este olhar mais pausado faz as cenas de ação, pontuais, ganharem outro lugar, de visceralidade e urgência. Os tiros e explosões são letais e tem o peso necessário para entendermos a fragilidade da vida.


A trilha sonora acompanha com primazia, contribuindo para complexificar o que vemos. Trata-se de um excelente exemplo de como se deve usá-la: além de aprofundar as sensações, ela deve dizer sobre aquilo que a câmera não nos mostra. Assim, destaco a cena da luta em uma inundação: seca, violenta, urgente. A trilha, como em descompasso, sobe calma, em uma cadência enervante. Ela destoa e, em uma antítese sublime, encaixa-se perfeitamente: um dos dois irá morrer, ambos sabem. Quando um deles está sendo afogado pelo outro, a câmera pausa, subjetiva, no que vê, debaixo d’água, o rosto de seu assassino se deformar pelo movimento ondulante das águas.


Blade Runner 2049 filosofa sobre os sentidos da vida, esta teia complexa de escolhas e ações sustentadas pelo Acaso, cego e de propósitos escusos. Podemos, como humanos ou replicantes (pouco importa), atingir compreensões complexas, afundarmos em amores e sensações, descobrirmos a morte que melhor nos dignifica... A fragilidade e a urgência. Impossível não evocar o monólogo final do filme anterior: todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva.


Gyorgy Laszlo é colaborador do Caderno Sem Pauta.



 
 
 

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